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Violência contra a mulher em Goiás e a luta contra um cenário persistente

Olhar triste, cabelos sempre presos, não usa mais o batom que antes era o seu preferido, mudou o jeito de se vestir, já não sente vontade de se arrumar. As pessoas não a reconhecem mais de tão diferente que ela está. A família quase não sabe notícias dela. As amigas então… Aos poucos, ela foi se afastando de tudo e de todos, até mesmo dos sonhos, do trabalho, e em alguns momentos, da própria vida. Esse é um retrato que, apesar de passar despercebido por muitos, pode indicar cenário de violência doméstica sofrida por uma mulher. Crime que, na maioria das vezes, começa com abuso psicológico, seguido de agressão física, patrimonial e que, infelizmente, pode resultar na morte da vítima.

Para se ter uma ideia, os casos que envolvem feminicídio não apresentaram nenhuma redução em Goiás entre os anos de 2022 e 2023. Os números permaneceram os mesmos nos últimos dois anos: 55 ocorrências, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP-GO). No comparativo com os índices de 2018, os feminicídios tiveram um aumento de 52,7%, passando de 36 para 55.

Por outro lado, um levantamento feito pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO) aponta que as pessoas estão mais atentas em relação a crimes de violência contra a mulher – incluindo o feminicídio. Entre 2021 e 2023, foram 17.940 denúncias realizadas no Estado em relação a esta infração penal, enquanto ações relacionadas a outros crimes, por exemplo, registraram queda. Com isso, o crime de violência contra a mulher é considerado, não só no território goiano, como um dos cenários mais desafiadores à segurança pública. Há muitos registros de denúncias, mas os casos não têm apresentado redução.

A questão é: o que falta para mudar este cenário? O coordenador da Área de Direitos Humanos do Centro Operacional do MP-GO, promotor de Justiça Marcelo Machado, esclarece que é preciso investir em políticas públicas que trabalhem na raiz da problemática, ou seja, ações que vão além do processo de atuação policial ou penal.

Neste sentido, o promotor  destaca o projeto Goiás Por Elas, programa criado pelo governo do Estado em março de 2023. A ação é direcionada a mulheres vítimas de violência com medida protetiva e em situação de vulnerabilidade social. O Goiás Por Elas concede R$ 300 mensais, por até 12 meses, às mulheres atendidas pelo programa do Goiás Social. Para ter direito ao benefício, além da medida protetiva, é necessário estar inscrita no Cadastro Único do governo federal, se enquadrar nas situações de extrema pobreza, pobreza ou baixa renda e morar no Estado. O serviço tem parceria do MP-GO, do Tribunal de Justiça (TJ-GO) e da Defensoria Pública (DPE-GO).


“Temos um processo cultural referente ao machismo que reflete esse tipo de violência. Então é preciso trabalhar ações que se aproximem mais da assistência social, no sentido de promover o atendimento e acolhimento da vítima, em serviços que promovam a retirada da mulher do lar onde sofre violência. É necessário a implementação de políticas públicas que buscam promover, por exemplo, a independência financeira desta mulher, bem como a profissionalização, oportunidades de realmente sair de dentro do ambiente onde também vive o agressor”, pontua o promotor em entrevista à reportagem do jornal A Redação.

Pensando nisso e no sentido de reforçar as medidas, o Centro de Apoio Operacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos do MP-GO criou o programa “Mulher mais Protegida”. Na ação, foram elaboradas diversas ações extra-penais que devem ser aplicadas em todo o Estado. Dentre elas está a criação de Leis municipais, grupo de trabalho interinstitucional, ampliação do suporte jurídico às vítimas, além de um plano geral de atuação.

Mulher mais Protegida – ações estratégicas
O projeto de lei criado dentro da campanha Mulher mais Protegida foi aprovado, até o momento, em Goiânia, Itumbiara e Santa Helena de Goiás. No entanto, o foco do MPGO é expandir o plano estratégico a todos os municípios goianos até o fim deste ano.

Ao jornal A Redação, o promotor de Justiça Marcelo Machado explica que a lei dispõe de três pilares em políticas públicas:

I – A prevenção primária, com o objetivo de sensibilizar a sociedade sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Estas campanhas devem ocorrer, principalmente, de forma educativa e em ambiente escolar, como oficinas lúdico-pedagógicas, roda de diálogo com crianças e adolescentes de 8 a 17 anos, em escolas da rede municipal. Além disso, atua na promoção de campanhas de incentivo a denúncias;

II – A prevenção secundária, que consiste em ações de ampliação e fortalecimento das mulheres vítimas de violência. Dentre elas o acolhimento e atendimento social, psicológico e jurídico especializado. Também a criação de comissão especializada ao cumprimento das medidas protetivas de urgência e dar apoio às mulheres;

III – A prevenção terciária, no sentido de prevenir a reiteração da violência doméstica.  Estas ações serão voltadas à reflexão do autor da infração, ou seja, busca compreender a causa do crime. Englobam o encaminhamento do homem a instituições voltadas ao enfrentamento de alcoolismo e dependência química, como também a criação de grupos reflexivos para os autores de violência doméstica ou familiar contra a mulher.

Marcelo salienta que os grupos reflexivos já ocorrem no município de Itumbiara. Segundo o promotor, foi possível constatar redução significativa na taxa de reincidência de agressores na cidade. O programa, chamado ‘Refletir Para Transformar’, será implementado na Penitenciária Coronel Odenir Guimarães (POG), em Aparecida de Goiânia. O projeto é voltado para homens encarcerados por crimes contra mulheres. Outra ação de promoção a grupos reflexivos é o programa Construindo Possibilidades, realizado por meio de palestras a homens em geral. Neste caso, o serviço é realizado pela promotora de Justiça Rúbian Corrêa.

Direitos das mulheres

No Brasil, um levantamento do Observatório da Mulher contra a Violência mostra que é preciso dar mais visibilidade aos direitos das mulheres. Oito em cada dez mulheres se consideram mal informadas a respeito da Lei Maria da Penha, segundo o Mapa Nacional da Violência de Gênero.

O levantamento também aponta que a maioria das vítimas não conhece a rede de proteção que ajuda a romper com o ciclo de violência doméstica. Em Goiânia, a mulher vítima de algum tipo de agressão passa a ser acompanhada periodicamente pelo Batalhão Maria da Penha, após realizar a denúncia. Essa medida é realizada com visitas presenciais nas residências das assistidas.


(Foto: reprodução)

“A mulher vítima de violência tem direito à assistência social, à assistência de saúde, à assistência psicológica. É uma forma de você acolher a vítima, acolher de forma ampla”, afirma a presidente do Instituto DataSenado, Isabela Lima.

Denúncias salvam vidas
Segundo a delegada Cybelle Tristão, da Polícia Civil, muitas mulheres deixam de denunciar por pensarem que não terão um acompanhamento, ou por receio de que o agressor volte ainda com mais fúria. “Infelizmente, muitos homens ainda pensam que as vítimas são objeto de posse deles. Então, elas não têm o direito de sair, ter vida social, trabalhar”, alerta.
Mas Tristão orienta que a denúncia é fundamental para que o ciclo de violência seja rompido o quanto antes. Somente por meio dela é que o agressor pode ser preso, os casos são tratados com severidade pelo Judiciário e também com celeridade por parte da Polícia Civil, para concluir as investigações.
Trata-se de uma medida a curto prazo, focada em barrar o agressor que já comete esse tipo de crime. Mas a delegada aponta que a educação pode mudar a cultura de toda uma geração. “Acredito que esse tema deve ser abordado nas escolas. Com a conscientização, aliada à informação, podemos mudar a realidade que foi construída há muitos anos, que é o machismo”, pontua.

Além dos canais tradicionais como o 180, da Central de Atendimento à Mulher, o 197 (Polícia Civil) e 190 (Polícia Militar), o Estado de Goiás passou a receber denúncias on-line, uma forma que independe do laudo pericial no primeiro momento. O sinal vermelho, que é um x desenhado na mão da mulher, também é uma das formas sutis de informar que está sendo vítima de agressão. Cartórios e drogarias recebem denúncias de violência doméstica através do sinal.
“Às vezes, a vítima liga com medo para uma unidade de policiamento para pedir uma pizza ou um remédio, como forma de segurança para não dizer que está realizando uma denúncia”, explica a delegada. Cybelle Tristão destaca ainda que as políticas públicas adotadas são importantes para cada vez mais conscientizar e encorajar mulheres a denunciarem os agressores.
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