Cidades

Trabalho com a terra ajuda a transformar vida de adolescentes infratores

“Afagar a terra/Conhecer os desejos da terra/Cio da terra, propícia estação/E fecundar o chão”. O refrão de O Cio da Terra, de Milton Nascimento e Chico Buarque, ilustra bem o poder terapêutico e transformador do trabalho com a terra. E é exatamente nesse contexto que a Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (Emater) e a Secretaria de Desenvolvimento Social (Seds) realizam cursos para reeducandos dos Centros de Atendimento Socioeducativo (Cases) de Goiânia e Anápolis.

O trabalho é recente. Começou em 2022, mas os frutos já são colhidos, literalmente. Os cursos são de olericultura e de panificação, com cerca de 40 horas de duração, ministrados na própria Emater, em Goiânia. A iniciativa foi idealizada por Robson Luiz de Morais, engenheiro agrônomo com mestrado em educação de adultos, atuação em agricultura familiar, hoje atuando como assessor de projetos sociais da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Goiás (Seapa).

“Quando apareceu essa oportunidade de trabalhar com jovens adolescentes reeducandos, achamos algo muito salutar, já que poderíamos levar a oportunidade de ocupação e de emprego para esses jovens na área agrícola, que é muito forte em Goiás. Por que esses jovens não poderiam ter essa oportunidade de aprendizado, de conhecimento e formação de competências na área agrícola?”, pondera. Robson conta que ambos os cursos fizeram sucesso imediatamente entre os jovens atendidos por um fator muito simbólico: “poder alimentar as pessoas [com seu trabalho]”.

“O jovem vem, faz o curso de hortas, cumpre o tempo dele, volta para casa no interior e lá na cidade dele tem o escritório da Emater. Então ele pode contar com a assessoria técnica para a horta que ele vai construir lá no lote ou trabalhar nessa área na cidade. Então ele não fica abandonado, podendo mais tarde dar continuidade [no seu aprendizado]”, pontua Robson, lembrando que a Agência tem atualmente 200 escritórios espalhados por Goiás.


Robson (Foto: Brunno Falcão/Emater)

“O que mais importa pra gente é que esse jovem veja que ele tem um futuro, que pode ser planejado e que pode ser melhor do que o problema que ele teve, e que o Estado se importa com ele, que ele é importante. Agregamos para que quando ele encontre uma oportunidade, ele tenha competência para agarrá-la e levar adiante”, relata o o assessor de projetos sociais da Seapa. Atualmente, a Emater planeja construir uma horta permanente no próprio Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Goiânia, no Conjunto Vera Cruz,  para que os jovens possam atuar diretamente nela com mais facilidade e por mais tempo.

“Além da horta produzir alimentos para a cozinha, para alimentar os próprios jovens, queremos com ela produzir uma cesta de verduras que possa ser doada para as mães desses garotos e garotas. O objetivo é simbólico: olha, mãe, esse produto aqui quem fez foi seu filho. Ele está aprendendo um ofício, produzindo alimento para outras pessoas, [fazendo uma] coisa boa. Esse jovem pode ser um futuro agricultor”, conclui Robson.

O curso de olericultura na iniciativa é ministrado pelo engenheiro agrônomo Jean Louis Martins, que está na Emater há 30 anos. “A experiência foi a melhor possível: os garotos são muito comportados, muito interessados e muito inteligentes. Gostei muito de trabalhar com eles. Trabalhar com terra, com planta, é uma coisa prazerosa, foi muito proveitoso até aqui. Vi o interesse deles em aprender uma coisa nova”, conta.

Jean Louis (Foto: Brunno Falcão/Emater)

Jean Louis avalia que os cursos são para os jovens infratores uma chance de mudar a vida. “A gente tem uma tendência a condenar as pessoas. Todo mundo corre risco de errar na vida. Esses meninos, eu conversava com eles nos intervalos e muitas vezes eles têm histórias tristes. Antes de julgar, precisamos ter empatia pelo outro. Todo mundo merece uma oportunidade”.

Educar para mudar
A superintendente do Sistema Socioeducativo da Seds, Kérima Ferreira Sobrinho, afirma que todo o formato socioeducativo tem cunho pedagógico para qualificar e capacitar o adolescente para que, quando ele sair da sua internação, ele tenha capacidade de conquistar uma vaga de emprego. “Atualmente, a maioria dos nossos adolescentes já consegue uma ocupação antes mesmo de sair da internação. Hoje nós temos adolescentes fazendo curso superior, outros que foram aceitos na categoria de base de clubes goianos. Essas parcerias são de extrema importância para oferecer a eles opções de independência financeira. Às vezes, quando eles saíam da internação, só tinham como voltar à delinquência. Agora, eles possuem outras opções para conquistar um emprego e não voltar à infração”, relata.


Kérima Sobrinho (Foto: Wagnas Cabral/Seds)

Segundo a superintendente, a maior parte dos adolescentes hoje nos Cases está em sua primeira internação. As medidas socioeducativas, principalmente os cursos ofertados, são o caminho para evitar a reincidência. Kérima conta que a horta teve aderência imediata. “Os adolescentes têm muito interesse em mexer com a terra: é terapêutico e profissionalizante. A gente consegue fornecer hortaliças para o restaurante que faz a comida dos adolescentes, conseguimos vender em algumas feiras, conseguimos doar para as famílias dos adolescentes no momento da visita, mostrando o que eles produziram. Isso faz com que a estadia deles dentro do sistema socioeducativo seja, de fato, produtiva”.

Kérima conta que há alguns meses, no Case Goiânia, os adolescentes tiveram a oportunidade de fazer uma pequena lavoura de milho que cultivaram, colheram e depois fizeram uma pamonhada na unidade. “Ao trabalhar a terra, eles aprendem a cuidar. Quando eu falo cuidar é cuidar do outro, da planta, do ambiente. É só isso que pode transformar. Isso o resgata, isso transforma e pode mudar a história dele. Mudar a trajetória de uma pessoa é garantir um futuro melhor para a próxima geração, que vai ter uma nova oportunidade de vida, rompendo com o ciclo da violência”, avalia.

“Muitas vezes esse adolescente só vai encontrar seus direitos dentro do sistema socioeducativo: ele evadiu da escola, não tem um ambiente familiar saudável, não tem qualificação. Quando chega lá dentro, ele vai ter atendimento psicológico, de saúde, vai retomar seus estudos, vai ter uma oportunidade de aprendizado. Pela primeira vez, ele vai ser visto”, conclui a superintendente.

Cidadania que alimenta sonhos
Coordenadora de cursos e profissionalização do Case Anápolis, Lilane Victor Santos pontua que o projeto das hortas é uma forma de preparar o jovem para um futuro de oportunidades. “Nós trabalhamos com adolescentes que trazem na construção de suas histórias a desigualdade, a injustiça social, ausência da garantia de direitos fundamentais e a falta de oportunidades. Os cursos profissionalizantes trazem um norte, uma expectativa de vida para eles. É o que vai trazer um apoio para a vida deles”, conta ao relatar que testemunhou bom exemplos ao longo do período de trabalho com os menores infratores.

Além dos cursos da Emater, o sistema socioeducativo possui uma série de outras parcerias e cursos, como confecção de roupas, bordado e serigrafia; mecânica de motos; robótica, por meio do programa Sukatech, e mesmo o casqueamento de equinos, oferecido pelo Senar.

Um dos bons exemplos citados por Lilane é J.L.O., de 18 anos. O jovem está há um ano internado no Case de Anápolis. Ele relata ter ficado muito feliz com o curso e já faz planos para quando deixar a unidade socioeducativa. “Quando eu sair daqui eu quero abrir um restaurante para mim”, revela. Ele conta que sempre teve interesse em trabalhar no campo, mas nunca pensou que teria uma oportunidade. “Gosto muito de roça. Eu não pensei que faria esses cursos aqui dentro. Eu gosto muito daqui, agora estou fazendo um curso de mecânica de motocicletas no Senai, fazendo curso de robótica na Sukatech em Goiânia”, acrescenta.
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