Mabel completa 100 dias com avanços e desafios que testam a gestão

O prefeito de Goiânia, Sandro Mabel (União Brasil), completou 100 dias de gestão nesta quarta-feira (9/4), com anúncio de investimentos e obras em áreas como saúde, educação e mobilidade urbana. A marca foi celebrada com um balanço oficial divulgado em coletiva no Paço Municipal, enquanto enfrenta cobranças por promessas de campanha, relação tensa com servidores e camelôs, além de questionamentos sobre a real efetividade das ações.
Mesmo com entregas visíveis e intensa presença nas redes sociais, especialistas apontam que a gestão ainda carece de planejamento estratégico, escuta ativa da população e maior articulação política para enfrentar os gargalos históricos da capital.
Balanço
A marca de 100 dias costuma ser simbólica para novos governos: representa o início de uma trajetória, mas também revela pistas sobre o que virá pela frente. No caso da administração de Sandro Mabel (União Brasil) em Goiânia, esse marco veio acompanhado de um pacote de anúncios, ações de zeladoria, investimentos pontuais e uma estratégia de comunicação agressiva nas redes.
Contudo, por trás da imagem de dinamismo e do slogan “prefeito da coragem”, usado por ele próprio, há um cenário complexo: dívida herdada da gestão anterior, insatisfação de servidores e camelôs, em especial da região da Rua 44, além da cobrança por promessas feitas em campanha e críticas sobre a forma como a prefeitura tem conduzido o diálogo com a cidade.
Em coletiva concedida nesta quarta-feira (9), Mabel destacou os números alcançados: mais de 191 mil buracos tapados, criação de 8 mil vagas na Educação, 34 novos leitos de UTI, ampliação do atendimento infantil 24h, melhorias em vias estratégicas e a modernização da iluminação pública com o programa “Brilha Goiânia”.
“A cidade estava desorganizada. Encontramos uma prefeitura com quase R$ 4 bilhões em dívidas, e mesmo assim conseguimos avançar. Isso é resultado de coragem e planejamento”, afirmou o prefeito.
As ações
Na área da Educação, a gestão entregou novas unidades escolares e ampliou vagas por meio de convênios com entidades privadas e filantrópicas. O atendimento em um CMEI a partir das 4h da manhã foi anunciado como medida inédita, voltada especialmente a trabalhadores da Ceasa. Houve também entrega de uniformes, kits escolares e ações de modernização na gestão das escolas, como o Pafie, que repassou R$ 57 milhões diretamente às unidades.
Na saúde, o foco foi na retomada de serviços interrompidos ou precários. A reativação do Samu com 17 ambulâncias, o aumento de leitos de UTI e a descentralização do atendimento de ortopedia foram apresentados como conquistas. Segundo a Prefeitura, 34 mil atendimentos infantis 24h foram realizados, reduzindo em 47% o tempo de espera.
O prefeito de Goiânia informou que atualmente 17 ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) estão operando na capital, resultado de alterações em resoluções e ajustes nos protocolos de atendimento, que permitiram maior agilidade no sistema.
No fim de 2023, o cenário era bem diferente. O Samu enfrentava uma grave crise, com apenas cinco ambulâncias em operação para cobrir toda a cidade. A situação se agravou com denúncias de superfaturamento na compra de insumos e tentativas de privatização do serviço, o que culminou no afastamento, por 90 dias, do então secretário de Saúde, Wilson Pollara. As denúncias, feitas por servidores, expuseram falhas graves na gestão do serviço de urgência.
Segundo Sandro Mabel, a nova equipe implantou mudanças que deram mais dinamismo à operação. “Hoje, não falta combustível nas ambulâncias. Elas também não ficam mais horas paradas nos hospitais. Agora, o procedimento é rápido: deixam o paciente e seguem direto para outra ocorrência. Isso aumentou significativamente a eficiência. Essa equipe jovem, comprometida e com outra visão tem encarado esse desafio com muita competência”, destacou o prefeito.
Sobre os leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), Mabel ressaltou que foram abertos novos leitos voltados exclusivamente a pacientes de Goiânia, já integrados à regulação municipal. “Estamos arcando com esses leitos e renegociamos os valores das tabelas anteriores, que eram inviáveis para os cofres da prefeitura. Ajustamos para um valor que o município tem condições de manter”, explicou.
A área de mobilidade concentrou parte da atenção da gestão até aqui: a criação de terceiras faixas nas avenidas Castelo Branco e Jamel Cecílio, além do início da desobstrução de 250 km de vias arteriais. Outras ações incluem ajustes semafóricos, metronização do BRT, reestruturação do Centro de Controle Operacional (CCO) e reforço na sinalização de 108 bairros.
Já a zeladoria urbana envolveu grandes mutirões de limpeza e tapa-buracos, além da instalação de LED em diversos pontos da cidade. Foram recolhidas mais de 400 mil toneladas de entulho e roçados mais de 33 milhões de metros quadrados.
O discurso da coragem x a avaliação técnica
Desde o início da gestão, o prefeito Sandro Mabel tem adotado uma postura marcadamente comunicacional, com forte presença nas redes sociais e recorrente participação em vídeos de prestação de contas. O próprio prefeito se autodenomina como “o prefeito da coragem” — expressão que passou a ser marca do discurso institucional nesses 100 dias de administração. A estratégia busca reforçar a imagem de um gestor resolutivo, ativo e presente, que enfrenta problemas históricos com trabalho e ousadia.
No entanto, para o cientista político Carlos Albuquerque, ouvido também na análise dos primeiros 60 dias de gestão, a comunicação eficiente da Prefeitura não tem sido acompanhada, até o momento, por ações de fundo que consolidem políticas públicas duradouras.
“Mabel entendeu rápido a importância da presença digital e do discurso direto. Mas isso não substitui políticas públicas estruturantes. Comunicação sem entrega gera desgaste, e a percepção da população ainda é de incerteza”, avalia.
A comunicóloga Maria Silva reforça a mesma linha de leitura. Para ela, a gestão demonstra agilidade em se posicionar publicamente, mas precisa avançar em consistência administrativa.
“Há uma aposta no protagonismo midiático, mas a gestão precisa cuidar para não cair em armadilhas do personalismo. A cidade exige soluções duradouras, e não só presença constante em vídeos e redes sociais. A comunicação deve estar a serviço das entregas, e não ser um fim em si mesma”, afirma.
Ambos os especialistas concordam que a construção de reputação política sólida não se dá apenas pela ocupação de espaço digital. Embora o esforço de comunicação ajude a criar empatia e sensação de proximidade com a população, ele precisa estar alicerçado em ações concretas e transformadoras para gerar confiança real e duradoura.
A avaliação técnica, nesse sentido, impõe um desafio à narrativa da “coragem” usada pela atual gestão: demonstrar que há planejamento, transparência e continuidade nos projetos implementados. Até aqui, segundo Albuquerque, o que se vê são avanços pontuais, muitos deles corretivos ou de recomposição administrativa, mas ainda insuficientes para apontar uma diretriz estratégica clara para a cidade.
Relação com servidores: ruído e frustração
Um dos principais focos de tensão nesses 100 dias foi a relação com os servidores públicos. Nos últimos dias, sindicatos compareceram à Câmara de vereadores e fizeram críticas sobre a ausência de diálogo, promessas de reestruturação de carreiras não cumpridas e insatisfação generalizada com a condução das negociações.
“A gestão parece mais interessada em mostrar serviço para a população do que em resolver questões internas sérias, como o plano de cargos e salários”, afirmou o servidor Robson Silva. Para o funcionalismo, a sensação é de frustração com a lentidão das respostas e a centralização das decisões.
Obras iniciadas, mas promessas ainda em aberto
A gestão prometeu um “choque de obras”, com entrega de habitações, regularização fundiária e melhoria do transporte público. Algumas iniciativas começaram a sair do papel, como o convênio para regularização de 3 mil imóveis e a parceria com a Agehab para construção de 720 moradias. No entanto, a meta de 15 mil casas entregues e 40 mil imóveis regularizados até o fim do mandato ainda depende de uma série de fatores, conforme ilustrado pela reportagem na última semana.
Na mobilidade, a metronização do BRT e a integração do transporte ainda não avançaram na prática. A promessa de “revolucionar o transporte coletivo” segue como uma das cobranças mais incisivas.
Finanças, dívida e limites fiscais
Mabel tem insistido na narrativa de que assumiu a cidade com dívidas bilionárias e atrasos em pagamentos. Segundo o prefeito, mais de R$ 300 milhões em dívidas da saúde foram quitados nos primeiros meses. Essa justificativa tem sido usada para relativizar promessas não cumpridas e justificar o ritmo de entregas.
Aos olhos de especialistas, contudo, essa narrativa precisa ser acompanhada de transparência e responsabilidade. “Se a herança é tão pesada, é preciso mostrar os números e os planos de ajuste de forma clara. Só repetir que a dívida é grande não sustenta indefinidamente o discurso”, analisa Albuquerque.
Popularidade e redes sociais: ponto forte ou risco futuro?
A comunicação direta tem sido uma das marcas da gestão. Mabel é figura frequente em vídeos, lives e postagens com estilo informal. A estratégia tem gerado engajamento, mas também críticas. “É preciso tomar cuidado para não confundir visibilidade com legitimidade”, alerta Maria Silva. “A pressão por resultados reais tende a aumentar conforme o tempo passa.”
Promessas x Entregas
Promessa Situação Atual
Criar 10 mil vagas na Educação até junho 8 mil criadas (ações em andamento)
Regularizar 40 mil imóveis até 2026 3 mil iniciados por convênio
Entregar 15 mil habitações 720 em construção
Tapa-buracos massivo 191 mil buracos tapados
Reestruturação da carreira dos servidores Não iniciado
Atendimento infantil 24h Implantado, 34 mil atendimentos
Metronização do BRT Em planejamento, sem execução
Acesso de motos às faixas de ônibus Implementado
Modernização da iluminação pública Em andamento com LED
Implantação de terceira via em avenidas Executado em Jamel Cecílio e Castelo Branco