Campeão no Pan-Americano vive de bicos e busca superar perda da esposa: “Só durmo bêbado”
Ouro no boxe em 2007, no Rio de Janeiro, Pedro Lima sofre com a perda da esposa e falta de reconhecimento: "Só estou de pé porque tenho dois filhos"
Era julho de 2007 quando, no Pan-Americano do Rio de Janeiro, Pedro Lima derrotou o americano Demetrius Andrade na categoria meio médio e fez o Brasil conquistar o ouro na modalidade após 44 anos. Dezessete anos depois e agora com 41 anos, o ex-pugilista baiano, tão celebrado pela conquista no Pan, passa despercebido e sobrevive com “bicos” em Salvador.
A história de Pedro Lima faz parte da série “Por Nós”, do Globo Esporte BA, que conta a caminhada de atletas baianos negros que sofrem com a falta de reconhecimento. Nos episódios anteriores foram contadas as histórias da corredora Marily dos Santos e do treinador e ex-jogador de basquete Edu Mariano.
A luta mais difícil
Depois daquele ouro histórico em uma luta equilibrada contra o americano Demetrius Andrade, Pedro Lima, até então um dos principais nomes do boxe nacional com três títulos brasileiros, não conseguiu decolar na carreira e ficou fora das Olimpíadas de Pequim, Londres e Rio de Janeiro.
– Um dos momentos mais difíceis da minha vida. Vontade de participar dos Jogos Olímpicos, mas não consegui participar. Fiquei abatido, pensei em parar de lutar. Não desisti devido a força que minha esposa me deu. Minha esposa me abraçou. Disse que a gente não vive só de vitórias. Eu continuei e fui campeão várias vezes – lembra.
Mas nenhuma das derrotas no boxe esteve perto do que estava por vir para Pedro. A esposa do ex-pugilista, companheira nas horas mais difíceis, não resistiu à luta contra o câncer e faleceu há pouco mais de um mês.
– Depois que eu me aposentei, minha vida não digo que está ruim, fome não passo… Sempre fui correria, batalhei. Mas de toda essas perdas, o que eu mais sofro é a perda da minha mulher. É a dor principal. Eu daria tudo. Daria título, casa, daria a minha vida para ela estar aqui comigo. Eu não desejo para ninguém. Depois que minha mulher se foi, eu só estou de pé porque tenho dois filhos. Se não eu já teria me entregado – desabafa.
Trajetória com glórias e dificuldades
Além de lidar com a perda da esposa, Pedro Lima precisa correr atrás do sustento da casa, que foi reformada com o dinheiro da histórica conquista no Pan-Americano. Morador do bairro de Nova Brasília, em Salvador, ele faz todos os tipos de serviços, de ajudante de pedreiro a descarregador de caminhões.
Mas não é de hoje que Pedro se vira para levar uma grana para casa. Antes mesmo de começar no boxe, aos 16 anos, o baiano já vendeu chocolate pelas ruas de Salvador. Ele não só vendia, como também comia guloseimas na rua, o que gerou um efeito comum entre os adolescentes: o sobrepeso.
Foi a partir daí que o esporte entrou na vida dele. Pedro Lima conheceu Raimundo de Oliveira, o Sergipe, uma das referências do boxe baiano e pai da medalhista olímpica Bia Ferreira. Foi Sergipe quem levou Pedro para a academia Champion, onde o formador de campeões Luiz Dórea era treinador.
– Vim de Riachão para Salvador, para o bairro de Nova Brasília. Eu comecei a engordar e sofria bullying no colégio. Aí eu conhece um rapaz chamado Sergipe e a ex-esposa dele. Ela me disse que iria me levar para academia dele. Aí tomei gosto, comecei a lutar em bairros. Lembro que fui em uma luta em Castelo Branco, de bairro, e ganhei. Sergipe, conhecido como Raimundo de Oliveira, que me ensinou o primeiro jab.
Daí em diante a carreira de Pedro Lima decolou até chegar à medalha de ouro histórica em 2007, com o apoio incondicional do treinador Dórea.
– Lembro que no momento que eu estava lutando estava perdendo por um ponto. Ai meu treinador falou que estava um ponto abaixo, que poderia dar bastante golpe que iria virar a luta. Foi a hora que eu encurralei ele nas cordas, dei golpes retos e virei a luta.
Após a conquista, Pedro Lima voltou a Salvador como herói e foi recebido com festa e desfile em carro aberto no bairro de Nova Brasília, onde cresceu.
Mas aquele dia parece cada vez mais distante na memória de Pedro. Longe dos holofotes e do reconhecimento, Pedro tem novas lutas agora: a saudade e a sobrevivência.
– Não só sou eu que sofro disso, de conquistar algo e ter pouco reconhecimento. Eu fui campeão dos Jogos Pan-Americanos, um dos maiores títulos. E hoje olhe minha vida financeira como é. Deveriam a dar valor aos campeões de todas as modalidades – lamenta.
Por Rafael Santana, Gabrielle Gomes e Rafael Carmo — Salvador