As cadeiras vazias e a seleção ansiosa
Em qualquer circunstância, um encontro entre Brasil e Uruguai já é suficiente para gerar expectativas. Mas aspectos futebolísticos à parte, a noite de terça-feira na Fonte Nova era carregada de simbolismos. Na véspera do feriado nacional pelo Dia da Consciência Negra, a cidade com a maior população preta fora da África receberia uma seleção que tem em Vinícius Júnior, símbolo da luta contra o racismo, um de seus nomes mais destacados.
Salvador, palco de lutas sociais tão importantes na histórica do país, expressão viva da cultura afro-brasileira manifestada em cada esquina da capital baiana, era o cenário de um jogo marcado por ações antirracistas realizadas antes e durante a entrada dos times em campo. Uma jornada pela igualdade, pela inclusão.
Mas para estar na festa, era preciso gastar, no mínimo, R$ 200 pelo ingresso mais barato – ou R$ 100 na meia entrada, não acessível a todos. Ou seja, as ações afirmativas cessam quando começa a busca pelo lucro. As 8 mil cadeiras vazias, ao menos de acordo com números oficiais – o visual do estádio indicava uma ocupação ainda menor-, retratavam o oposto: uma jornada de exclusão. Uma parcela da sociedade baiana e brasileira não tinha lugar na festa, justamente a parcela que melhor representa as lutas que os organizadores diziam defender. A representatividade ficou no discurso.
Importa pouco o argumento da CBF de que a operação da venda de ingressos fora entregue a terceiros, aí incluída a fixação dos preços. Cabe à confederação zelar pela imagem da seleção e, principalmente, pela sua relação com a sociedade, pelas mensagens que um símbolo tão forte do futebol nacional transmite ao país. Ao não impor limites – algo que promete fazer de agora em diante -, a CBF permitiu que a seleção vivesse, num momento em que busca afirmação, o constrangimento de jogar para milhares de assentos vazios. O anel intermediário do estádio, um dos mais caros, ficou quase todo desocupado em seus setores localizados do lado oposto às câmeras de TV. O símbolo da ganância dos organizadores exposto em rede nacional.
É ainda mais curioso notar que o técnico da seleção, Dorival Júnior, recorre repetidamente à tese de que é preciso “reaproximar a seleção do povo”. Decididamente, a CBF não o ajudou na empreitada.
Em campo, foi como se a atual escola brasileira de futebol estivesse simbolizada, com suas virtudes e defeitos. A escalação que iniciou o jogo, e ainda mais fortemente a que terminou, exibiam uma fartura de atacantes, quase todos eles formados como pontas velozes e dribladores. No entanto, há muitos momentos em que o time expressa a dificuldade de ditar ritmo, porque são restritas as opções de meio-campistas que comandem o jogo.
Das características dos jogadores à sufocante pressão de uma seleção brasileira que se renova, lança mão de jovens e convive com a cobrança por vezes insana por um título mundial, o que se vê é um time ansioso. Contra o Uruguai, os primeiros minutos mostraram bons movimentos, um plano para lidar com a marcação individual do time de Marcelo Bielsa. Mas a sensação é de que, gradativamente, as características dos quatro homens ofensivos se impõem: a seleção acelera demais, é apressada, até terminar se partindo entre os que atacam e os que defendem. O time acumula atacantes na linha defensiva adversária e tenta lançar bolas às costas dos defensores. E pior, acaba permitindo um jogo de idas e vindas, golpes e contragolpes, sem que esteja equilibrada para defender. O Brasil sempre pareceu frágil sem bola, sacrificando demais seus dois meio-campistas.
Analisados isoladamente os 90 minutos, o Brasil até produziu para vencer. Não foi um desastre, um jogo para se descartar. Mas a forma como o time parece depender de espaços para acelerar, a falta de mais articulação é algo que merece atenção. No segundo tempo, Dorival empilhou homens de frente, Raphinha foi parar na lateral esquerda – de onde partia para virar um ala. O Brasil chegou a ter cinco atacantes juntos, mas quase nenhum deles parecia ter clareza da função a executar ou do espaço a ocupar. O time até teve volume, mas acabou tendo menos ordem.
Não é justo dizer que nada se aproveita de 2024. Tampouco é correto deixar de ponderar que, a cada convocação, quase metade do elenco é composto por jogadores que sequer estavam entre os 26 do último Mundial. O trabalho de Dorival não é simples. No entanto, os progressos foram mais tímidos do que o desejável.
Por: Ge/Globo