Aline Silva quer ações reais para a diversidade no esporte: “Dizer que é antirracista não é o suficiente”
Fundadora do Projeto Mempodera, focado em atender atletas negras, única brasileira medalhista mundial de wrestling vê poucos avanços em relação ao racismo no esporte
“Para mim, o Dia da Consciência Negra é para lembrar. Lembrar principalmente as pessoas brancas de que elas vão ter que abrir mão dos privilégios para resolvermos essa bagunça juntos. Só dizer que é antirracista não é o suficiente.”
É lembrando que as pessoas negras existem e resistem no esporte que Aline Silva faz a sua parte para mudar a realidade racista desse meio. Única brasileira a ser medalhista mundial de wrestling, a ex-lutadora cresceu na periferia e agora tenta abrir portas para meninas dessa mesma realidade que sonham ter um futuro melhor. Através do Projeto Mempodera, pensado para somar o esporte a debates de conscientização social, Aline busca empoderar essas jovens para terem um caminho mais fácil do que ela teve.
A luta olímpica, como era conhecido o wrestling, faz parte dos Jogos Olímpicos desde a primeira edição. Apesar do pioneirismo, a modalidade ainda é predominantemente praticada por homens. A primeira participação feminina foi apenas em 2004, nas Olimpíadas de Atenas. Aline Silva é a principal referência do esporte no Brasil. Com a prata em Tashkent 2014, ela se tornou a primeira brasileira a ganhar uma medalha em um Mundial, marca que mantém até hoje. Aline também conquistou duas pratas e um bronze em Jogos Pan-Americanos, e disputou as Olimpíadas na Rio 2016 e em Tóquio 2020.
Não é só no wrestling que a falta de representatividade, principalmente de mulheres negras, se manifesta. Ainda assim, as atletas olímpicas encontram uma forma de resistir e conquistar. Nas Olimpíadas de Paris, os três ouros do Brasil vieram da luta de mulheres negras: Beatriz Souza, Rebeca Andrade e Ana Patrícia. Além disso, das 20 medalhas conquistadas, 12 foram por mulheres – negras e brancas. Mas, para Aline, isso não indica que o esporte evoluiu na questão da diversidade. A lutadora alerta para a necessidade de ações significativas e de mudanças nas lideranças de federações e comitês para um futuro diferente.
— O que mudou foi um investimento massivo no esporte de alto rendimento, que permitiu que essas pessoas alcançassem medalhas olímpicas. A questão de gênero está avançando um pouco mais, mas você pega o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), o Comitê Olímpico Internacional (COI) e vê um ambiente majoritariamente branco. Ainda é muito machista, mas também extremamente racista. Quando a gente vê essas mulheres pretas brilhando, me pergunto quantas delas vão chegar à presidência de federações, aos comitês — completou Aline.
Apesar de ser um lugar onde preconceitos ficam evidentes, o esporte também pode ser uma forte ferramenta de mobilização social. Para Aline, que acredita em mudar vidas através do esporte, combinar esse ambiente às discussões raciais e de gênero é uma boa estratégia.
— Acredito que o esporte é uma ferramenta para várias coisas na sociedade, mas especialmente na luta por igualdade, na luta antirracista. O esporte é como se fosse uma microssociedade. Temos que obedecer às regras, trabalhar bem com os outros… Nessa convivência, começamos a ver também essas expressões de ideias, aprendizados, mas em um ambiente de descontração. O esporte promove um espaço para aprender a socializar, mas também levantar reflexões e pensamentos com leveza —explica Aline.
Empoderando meninas para um futuro igualitário
O Projeto Mempodera começou em 2018, com aulas em uma escola pública em Cubatão, no estado de São Paulo. Atualmente, atende cerca de 300 meninas de até 15 anos e se expandiu para cinco cidades ao redor do Brasil. Idealizado por Aline, sua mãe e Mayara Amália, que também é ex-atleta de wrestling, o Mempodera mistura a luta com aulas de inglês e debates de conscientização social. Buscando transmitir ensinamentos que fizeram falta no passado dessas mulheres, projeto tem como objetivo empoderar essas crianças para os caminhos que quiserem seguir na vida, mesmo que estes não sejam necessariamente no esporte.
O trabalho está dando frutos, com ex-alunas competindo profissionalmente no wrestling, outras trabalhando no próprio Mempodera, e várias conquistando a tão sonhada independência financeira nas profissões que escolheram.
— O projeto mudou a vida de meninas que hoje trabalham com a gente como monitoras, outras que trabalham com o esporte. Hoje elas não conseguem falar da Mempodera sem chorar, assim como a gente. Mudou a perspectiva de futuro dessas pessoas. Isso mostra que tem alguma coisa especial ali. Tem muito amor ali, empoderamento financeiro. Mesmo algumas alunas que não continuaram com a gente, tiveram um começo ali para descobrir outras coisas que gostavam. Tem meninas que mudaram o comportamento porque a gente trouxe esperança, e nós ouvimos isso dos pais. Isso é impagável — falou Aline.