Dez anos após Boate Kiss, casas goianas funcionam sem alvará e com instalações precárias
A nova lei complementou normas sobre segurança, prevenção e proteção contra incêndios em estabelecimentos onde há ajuntamento de pessoas. O texto unifica as regras para estados e municípios, definindo competências e responsabilidades sobre segurança em casas de espetáculos.
Um dos principais pontos estabelecidos diz respeito a alvarás e vistorias. A lei apresenta as regulamentações relativas a esses dois pontos cruciais para a realização de eventos em casas noturnas. Segundo o texto, todo estabelecimento deve divulgar o alvará, bem como a capacidade máxima de lotação permitida pelos órgãos fiscalizadores para aquele estabelecimento, em local visível ao público. Outra norma, é a obrigatoriedade que sejam colocadas no site do estabelecimento as mesmas informações – além de outras correlatos –, de forma destacada.
A lei destaca ainda que, para entrarem em funcionamento, as edificações devem passar por vistorias do Corpo de Bombeiros. É de responsabilidade do poder público a solicitação de documentos que comprovem a capacidade e a estrutura física do local, o tipo de atividade desenvolvida, tanto no local, como em sua vizinhança, e os riscos a incolumidade física das pessoas.
Sem normas
Pensando nisso, foram feitas visitas em algumas casas de shows de Goiânia e, para nossa surpresa, infelizmente, a situação percebida em parte delas não foi das melhores possíveis. De um total de seis casas visitadas, somente duas autorizaram a entrada para averiguação. Em uma delas, localizada no Setor Sul, foi possível constatar a precariedade do local por meio de sinais como fiações elétricas expostas, teto de madeira, vidros nas paredes e apenas uma saída, compartilhada com a entrada.
Em outra casa, no mesmo bairro, um dos proprietários revelou que o local funciona a mais de um ano sem alvará. Das seis boates visitadas, somente uma apresentava as informações exigidas por lei de forma destacada na entrada como, capacidade máxima de lotação e validade do alvará.
Nas filas, os frequentadores foram praticamente unânimes quando perguntados sobre o respeito a lotação nos locais: “nenhuma respeita essa norma”. Vanessa Souza relata que frequenta boates em Goiânia há pelo menos seis anos e é enfática em dizer, que nenhuma delas respeita as normas. “Posso afirmar, que não me sinto segura dentro de nenhuma. Todas são superlotadas, nunca vi o alvará e nem a placa com a capacidade da boate. São poucas saídas de emergência e os pagamentos ainda são feitos através de comandas”, garante.
Ela ainda explicou que o padrão geral ser o da irregularidade é motivo para que os clientes acabam fechando os olhos para os problemas. “Se a gente for olhar para isso, nem saímos de casa, já que praticamente todas operem fora das regras”, destacou.
Para Matheus Fontanella usuário assíduo das casas de show, as boates falham na comunicação com seus clientes. “Percebo que não tem orientação adequada de como agir em caso de emergência, a gente não sabe nem por onde sair se caso precisar. Não existe limite de pessoas, a revista individual deixa a desejar, dá para entrar com drogas e até arma branca”, declara.. Ele também confirma, que em todas que frequenta, são utilizados o sistema de comandas para pagamento, o que não está de acordo com as novas determinações.
Segurança
Milton Alves Ribeiro Engenheiro de Segurança do Corpo de Bombeiros Militar de Goiás (CBMGO) e Presidente da Associação Goiana de Engenheiros de Segurança do Trabalho (AGEST) destaca que a Lei Kiss vem para estabelecer diretrizes gerais de prevenção a combate de incêndio e desastre, para ser implementadas em qualquer local em que houver aglomerações de pessoas. Ela estabelece responsabilidades para estados, munícipios, empresas, prestadores de serviços, etc. “Esta lei é muito boa, porém, ela não é detalhada. Somente estabelece que os órgãos e municípios devem comtemplar suas legislações próprias. Outro ponto positivo, é que dá a possibilidade de ser criado o crime de extrapolar a capacidade máxima permitido pelas autoridades”, disse.
Ele destaca que o Estado de Goiás tem sua legislação própria para esses casos desde 2006, com alterações realizadas em 2013, quando passou a se chamar Código Estadual de Segurança Contra Incêndio, Pânico e outras Providências. “Em Goiás, nós temos hoje 43 normas técnicas que devem ser cumpridas desde a parte de projetos e fiscalização. Temos normas para todo tipo de prevenção de pânico de emergência”, explica. Ribeiro afirma ainda que, de forma geral, a Lei Kiss veio para melhorar.
Todavia, na sua opinião, o legislador poderia ter colocado na nova lei que a parte de capacitação pudesse ser ministrada nas salas de aulas desde o primário em todas as instituições de ensino, para que essa pessoa cresça sabendo como cobrar das autoridades os seus direitos e também como agir em situações de emergência.
O bombeiro pontua também que os clientes dessas boates devem pedir ao proprietário o alvará, se este não estiver em local visível. O alvará tem validade de um ano. “Olhem a validade do alvará. Esse documento é a garantia que o estabelecimento é vistoriado e está apto a funcionar. Se estiver vencido ou não tiver, procurem outro local que esteja regular”, alerta.
Milton dá uma dica de como as pessoas devem proceder em caso de incêndio: “A fumaça dentro desses estabelecimentos tende a ficar por cima, então o correto é que as pessoas saiam rastejando e, assim evitem inalar a fumaça que pode tirar a vida em pouco segundos”. Porém, ele reforça a necessidade da sinalização luminosa das sidas de emergência e a importância dos chuveirinhos instalados nos tetos dessas casas.
Exigência de alvará
Capitão Cláudio Silva chefe do Departamento de Inspeção e Credenciamento, Comando de Atividade Técnica (CAT) do Corpo de Bombeiro é responsável pelas vistorias em todos os estabelecimentos de grande concentração de público em Goiânia. Ele explica que todos os projetos de construção ou adaptação de casas de show são enviados para o CAT, que faz a avaliação e decide se libera ou não o local para receber grande número de pessoas. “Verificamos se o projeto está dentro da legislação, se contempla tudo que é de segurança como, saídas de emergências, barras de contenção, iluminação que indicam as saídas de emergência, se há a necessidade de barra do pânico e tudo que pode aumentar a proteção dos usuários”, explica.
O capitão destaca que as avaliações do CAT são muito rigorosas e responsáveis, levando sempre em consideração a segurança das pessoas. “Jamais iremos dar um certificado de funcionamento se realmente o estabelecimento não estiver de acordo com as normas previstas em leis. Qualquer edificação só poderá funcionar com a certificação do Corpo de Bombeiros”, pondera. Ele ainda salienta, que nenhuma casa noturna está apta a funcionar sem o certificado ou sem o alvará.
Ele aponta as falhas mais comuns que levam à não aprovação de um projeto. “Às vezes os construtores esquecem de alguns detalhes que podem ser cruciais na hora de um desastre como, saídas de emergência ou até mesmo a largura dessas saídas ou mesmo problemas com hidrantes. Há muitos projetos que não atentam para questões básicas de segurança que podem salvar vidas. Outra questão é a de ocupação, que muitas vezes dizem que é para um tipo de ocupação, por exemplo, um restaurante e, quando chegamos lá é uma casa de show”.
Segundo o capitão, é importante ressaltar o corpo técnico do CAT é totalmente preparado para fazer essas avaliações e aprovar ou não, qualquer projeto. “Nosso foco, diferente do empresário, é a vida das pessoas, é nelas que pensamos. Temos todas as formações necessárias, inclusive com engenheiros em todas as áreas, que são preparados para exercer esta função. O projeto não está sendo analisado por uma pessoa qualquer”, reforça.
Cláudio pontua que a população pode denunciar se perceber que algum estabelecimento está funcionando de forma irregular. As denúncias podem ser feitas no site do Corpo de Bombeiro de forma anônima, www.bombeiros.go.gov.br ou pelo telefone, 3286-1500. O Capitão afirma que, caso seja constatada durante as vistorias que o local não está cumprindo normas de segurança, o proprietário será notificado e receberá uma multa ou até mesmo um comunicado de interdição do estabelecimento, podendo, inclusive, responder criminalmente pelas irregularidades.